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Fazenda Ribeirão Frio,
hoje pertence a Antonio Augusto Mendes |
VARANDA
Varanda do Ribeirão Frio, lugar que já abrigou tantas histórias...
Lembro-me, menina, do barulho dos carros de bois rangendo pela estrada afora e eu olhando fascinada...
Lugar de tantas conversas, tantos assuntos e lero-leros, lugar de se sonhar, de se esperar as visitas, de receber as notícias e as horas passando, passando...
A sonhada chegada de Tio Pedro vindo de São Paulo com a família, alegria da casa cheia, a ansiosa espera da visita de Tio Ivo, pai de Dico e Lilinha, que às vezes não chegava, sempre na varanda....
Lugar de conversas sigilosas e planejadas, bolando “artes” como descer a escada da varanda sentados numa folha de coqueiro nas almofadas novas feitas pela Dindinha para minimizar o impacto do rápido deslizar.
Sob a varanda, onde sempre ficaram as plantas que não gostavam de sol direto, dois arcos formavam portas que eram as entradas do nosso mundo do faz de conta.
No porão, eu e Lilinha brincávamos de casinha, distribuíamos os mais novos Rui, Rodolfo, Carlinhos e Marcio como nossos filhos, mas tudo podia acabar mal, pois todos os meninos tinham que ser filhos da Lilinha, ai daquele, que resolvesse ser meu filho, estava rejeitado pelo resto do dia. Os meninos mais velhos, filhos de Tio Rodolfo e de Tio Pedro, construíam cidades magníficas, que Serginho, como um vilão de história em quadrinhos, lançava enormes tijolos como bombas e a tudo destruía.
No final da varanda, era colocada uma rede, onde balançávamos entre empurrões e risadas, e que ficava coladinha na janela da capela, sempre fechada em sinal de respeito e onde reinava um profundo silêncio. Tio Pio alimentava a nossa fantasia em relação à capela, dizendo que um padre louco habitava seu interior e, muitas vezes, no meio das algazarras na rede da varanda, a porta da capela abria-se e saíamos correndo de pavor. Num passe de mágica, Tio Pio surgia do nada e ouvia nossos relatos apavorados. Essa história levou anos... até ser desmitificada por um de nós que teve a coragem de passar na frente da porta da capela à noite e ficar contando até três para porta abrir-se e, quando isso aconteceu, nada aconteceu
Varanda que sobreviveu à queda de parte do telhado, mas que, no seu outro cantinho, manteve o farol, sempre ligado ao anoitecer, e que viu namorados e maridos chegarem e esposas partirem, à procura de vida com mais sentido.
Varanda com seus balaústres que tantas gerações se apoiaram, também usados por meu avô Adolpho, segundo relato de meu pai, para secar o fumo de rolo de seu cigarro que, às vezes, cheirava parecendo que o enfiava no nariz. Seu filho Ivo, imitando-o, desmaiou durante o almoço, depois de passar horas com o fumo em suas narinas.
Varanda, sala de leitura de várias gerações!!! Lembro-me dos gibis disputadíssimos trazidos por Lulu, juntamente com os jornais e revistas trazidas por Tio Paulo e revistas de recortes trazidos por Neidoca para vestirmos nossas bonecas de papel. Todos ali reunidos, sentados ou deitados em seus longos e duros bancos de madeira onde eram jogadas as almofadas das cadeiras para torná-los mais aconchegantes.
Varanda, sala de música e poesias. Tio Pio, que tão cedo nos deixou, recitava poesias que estarão sempre em nossa memória. Violões e músicas cantadas e tocadas com contínuas interrupções, pois tinha que se pensar um pouquinho, tamanho o repertório.
Varanda, velha senhora que viu chegar os Gomes de outros recantos, viu nascer meu pai e seu irmão mais novo e viu morrer Tia Anita, Tia Palmyra, Tio Joãozinho, dindinha Lúcia, mas não viu Tio Pio, Tio Ivo, Tio Rodolfo, Tio Pedro, Tia Olga e Tia Ester
Varanda, onde subiram por suas escadas cortejos de casamento e batizados quando a cozinha se alegrava com a expectativa das festas, onde Tia Olga labutava fazendo biscoitos deliciosos e manteiga fantástica, Tia Anita com mão de ferro, trazendo a chave da dispensa na cintura, dando ordens a empregados, Tia Palmyra com seus doces e geléias com quem aprendi a dar ponto nos meus. Minha madrinha ajudando a todos com sua alegria.
Nessa varanda, muitas vezes, subiu meu avô Sady,que era cunhado, mas acabou como uma figura forte e amada por toda a família e que, com certeza, encostou-se nos balaústres da varanda e se despediu quando da ultima vez em que lá esteve, já doente.
Essa mesma varanda que recebia, com tristeza, as pessoas que subiam suas escadas para velórios na sala de visitas ou se tornava um espaço para os que não queriam entrar, mas apenas conversar lembranças daquele ou daquela que se fora.
Essa mesma varanda viu meu pai recomeçar vida com sua nova companheira que chegou trazendo amigos e irmãos que vieram aumentar mais a família, irmãos que têm o amor de meu pai igual ao dedicado aos sobrinhos tão numerosos e sendo amado por todos eles.
Varanda que não viu subir um neto do seu sangue, mas que viu várias gerações subindo as escadas para lhe mostrar os netos postiços.
Essa varanda e sua escada se abriram para receber Lulu, velaram Lulu e, mais uma vez viram partir um filho que cresceu, viveu e morreu, subindo e descendo suas escadas, encostando-se em seus balaústres.
Essa mesma varanda viu, pouco tempo depois, partir seu último filho que decidiu vender, em vida, a Fazenda Ribeirão Frio.
Partiu de cabeça erguida, firme em sua decisão, tendo a vida lhe levado os irmãos e irmãs e deixando a mesa da sala de jantar vazia e seus cavalos tão amados que jamais poderiam ser montados novamente.
Partiu com a certeza de que não se arrependeria e que, apesar da idade, a vontade de viver e ir além o levou a ter certeza que um ciclo de sua vida havia se fechado. Desceu as escadas dessa varanda, deixando para trás nossa infância, juventude, maturidade e velhice.
ELA continuou lá... sendo apenas e tão somente uma varanda.
Julho de 2009-07-15 Laura da Costa Gomes